
O plano era fazer uma sobremesa que, entre a família e os amigos, já tinha se tornado clássica: cream cheese, creme de leite, goiaba cascão e - a estrela do prato - taboca. A receita havia sido criada pelo fotógrafo e jornalista Giácomo Mancini, 69 anos, há pelo menos uma década, quando participava de uma confraria em que amigos se reuniam para inventar novos pratos.
Ele só não imaginava que, ao tentar reproduzir a receita mais uma vez, no início do mês passado, tivesse um problema: encontrar taboca em Salvador. Começou, assim, uma peregrinação em busca do biscoito que, pelo Brasil, recebe nomes como biju, chegadinho, cavaquinho e cavaco-chinês. “Eu achava com facilidade na Rua Lucaia, mas acabou o cruzamento. Botei na internet, nos stories (do Instagram) perguntando e um amigo me disse que, no fim de linha da Boca do Rio, teoricamente, acharia fácil. Não achei nenhum”, conta.
No fim de linha, ouviu de um taxista que era garantia de certeza achar no Mercado de Itapuã. “Me piquei para o mercado e lá, um cara disse: ‘no mercado? Aqui não. No máximo, tem um rapaz que passa aqui de vez em quando, mas não é toda hora'. Resultado: não achei”, conta.
Um mês depois, já em abril, ele continuava sem encontrar o biscoito. A saga de Mancini é uma alegoria para um contexto maior: o possível desaparecimento da taboca das ruas de Salvador. Se, antes, encontrar um vendedor com seu triângulo dependia muito do acaso e um pouco de sorte, agora parece mais um desafio quase impossível.
Entre 2015 e 2019, a gastrônoma e pesquisadora Laís Portela mapeou 19 vendedores de taboca em Salvador, em uma pesquisa que desenvolveu na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Hoje, ela já recebe relatos que parte daqueles lugares já não têm nem sinal do biscoito. Na avaliação dela, o primeiro motivo por trás disso é a perda do hábito da alimentação de rua devido à urbanização.
"A gente não tem mais uma tradicionalidade urbana que de ficar sentado nas portas quando esse tipo de guloseima passava. Sorvete, pipoca, taboca. Tinha uma relação de aguardar porque sabia que a pessoa ia passar. Hoje, a gente pede comida. Não espera aparecer na rua", explica.
Urbano
As mudanças na dinâmica da cidade provocam, indiretamente, outra consequência: boa parte dos mais jovens já não têm a imagem - ou mesmo a lembrança - do consumo de taboca. Na pesquisa de Laís, outro ponto identificado foi que pessoas com menos de 22 anos já não reconheciam o biscoito.
Para muita gente, a taboca tinha virado uma 'comida de infância'. Se tornou o item nostálgico para uma geração que, hoje, já está na casa dos 30 anos. A cada geração seguinte, esse referencial de tempo já fica mais distante ou mesmo impossível.
"O produto acaba perdendo venda. Acho que falta um pouco desse cuidado com a comida de rua de Salvador", avalia ela, que começou a pesquisa porque via que faltava representatividade para a taboca.
Publicado em 27 de abril de 2024 às 06:00
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